Se você precisasse compor um samba saberia como fazer? Se a resposta foi não vale a pena ouvir com atenção a canção “Samba da Benção” composta por Vinícius de Moraes (letra) e Baden Powell (melodia) em que através de uma letra poética o autor nos dá dicas de como criar um samba perfeito. Sua melodia tem um sistema repetitivo proposital que ajuda a transmitir a mensagem da letra em que com frases simples – mas, perfeitamente engendradas – tomamos conhecimento de que mesmo uma tristeza deve ser vivida como alegria, afinal é “É melhor ser alegre que ser triste”!
Composição de 1965
A canção que hoje é bastante conhecida na bela e suave voz de Bebel Gilberto foi composta em 1965 com o objetivo de ser um samba com a cadência baiana. Vinícius de Moraes ensina como compor um samba demonstrando que não é necessário usar frases pretenciosas ou complexas para transmitir uma ideia. A simplicidade é bela por comunicar rapidamente uma ideia. A música tem algumas frases cantadas e outras declamadas o que lhe confere um estilo diferenciado.
Numa das passagens da gravação original de 1965 Vinícius se declara “o branco mais preto do Brasil, na linha direta de Xangô”. Falando sobre composição de samba a música ressalta que essa é uma canção do povo negro. Alguns nomes importantes da música popular brasileira são citados ao longo da gravação. Um dos trechos mais significativos em relação a ideia de autores e intérpretes brancos no samba:
“Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração”.
Gravação Original e Versão de Baden Powell
A versão original da canção tem Vinícius de Moraes cantando e declamando os versos da música junto com Baden Powell tocando a melodia e o acompanhamento de um suave trombone a quem não foi atribuído crédito. Powell fez algum tempo depois uma versão dessa canção em que canta de forma bem semelhante a Vinícius e com um arranjo um pouco diferente. Nessa nova versão o autor da melodia incluiu duas frases:
“Se todos os tristes quiserem ir juntos, toda tristeza vai se acabar”
“Os cientistas russos acabaram de descobrir que a burrice não tem transplante”.
História Curiosa Sobre Samba da Benção
Durante uma viagem de trabalho diplomático em 1964 a Paris, Vinícius – que seria cassado pouco tempo depois – conheceu Pierre Barouh, produtor cinematográfico com quem discutiu o argumento de um filme chamado “Arrastão” que acabou não dando muito certo. Contudo, algum tempo depois Barouh pediu a Vinícius a sua gravação com Baden Powell do “Samba da Benção” e em 1966 foi com surpresa que os dois autores dessa canção ouviram seu trabalho na trilha do filme “Um homem, Uma mulher” sem que lhes fosse dado o crédito.
Questionando Barouh os autores ouviram que seus nomes haviam sido incluídos no álbum da trilha, mas no filme não porque isso traria um custo a mais devido ao fato de que já havia sido concluída a edição. Apareciam como autores da canção Francis Lai e Pierre Barouh. Até mesmo o nome da canção foi alterado para “Samba Saravah”. Vinícius deixou claro que iria processar a produtora do filme caso não fosse incluso o nome dele e de Powell como autores da música. O crédito foi concedido, porém, não em todas as cópias do filme.
Letra da Canção “Samba da Benção”
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração